Mulher Gol
Por Marina Yamaoka, jornalista do Greenpeace, de Sawré Muybu
Corre de um lado para o outro sem tirar o olho da bola e é a única a calçar chuteiras. Mostra confiança em suas passadas firmes e chutes certeiros em direção ao gol. Entre cabeceadas, passes e gols, Marunha Kirixi Munduruku, sem dúvida alguma, se destaca entre as jogadoras de futebol que frequentam o campo da aldeia Sawré Muybu.
Todos os dias quando o sol começa a se por e depois de terem cumprido as tarefas do dia a dia – limpeza da casa, cozinhar, artesanato, entre outros - as mulheres Munduruku se encontram no campo, uma mistura de chão de terra batida com tufos de gramado. Por volta de cinco da tarde, Marunha já está chamando as amigas para que não se atrasem para o que é considerado um dos melhores momentos de diversão do dia: o tradicional futebol feminino das cinco.
Ela chega ao campo com as chuteiras na mão e senta em um dos bancos de madeira que são destinados à plateia – composta principalmente por seus filhos e alguns homens - para calçá-las. “Eu decidi comprar uma chuteira porque meus dedos já estavam todos quebrados”, ela diz rindo e mostrando os dedos avariados, mas bem cuidados, de esmalte cor de rosa.
As mulheres se alongam e formam uma fila para dividir os times. Alternadamente, uma por uma se direcionam para a esquerda e para a direita para que a divisão seja justa e para que haja um equilíbrio entre as “que são boas e as que são menos boas, mas que se esforçam”, como explica Marunha.
Além de jogadoras, elas também se revezam como técnicas e juízas., decidindo rapidamente quem cobra a lateral, o escanteio ou a falta.
O futebol faz parte da vida de Marunha desde seus 10 anos, quando começou a gostar de praticar o esporte. Tanta dedicação ao longo desses quatorze anos são notáveis para aqueles que assistem ao jogo, nem que seja por pouco tempo. A paixão pela bola é inegável e mesmo embaixo de um temporal ou na lama, as Munduruku não saem do campo. “A gente joga do mesmo jeito porque a gente realmente gosta”, diz Marunha. “Quando o time está completo são umas dezesseis meninas. Às vezes tem poucas, só oito, mas mesmo assim a gente joga“.
No ano passado, o time de futebol feminino da Sawré Muybu não ganhou nos jogos indígenas, mas muitas das meninas foram campeãs em outros esportes como na natação, na corrida de cinco quilômetros e, inclusive, no cântico e na pintura corporal. Foi dessa forma que a aldeia ganhou na pontuação geral e trouxe o troféu que, hoje, fica em uma estante na escola.
Não é só em campo que Marunha é corajosa e demonstra o espírito guerreiro do povo Munduruku. Durante o processo de auto-demarcação, ela participou cozinhando e registrando partes da atividade em vídeo como jornalista. “Para mim, foi muito importante ter essa experiência e eu entendi muitas coisas que não sabia. Na auto-demarcação, eu vi o esforço de cada um que enfrentou chuva, sol e lama, e que atravessou igarapé para lutar por nossa terra e não deixar que ela seja destruída. A aldeia é importante porque será dos nossos filhos e dos nossos netos. Se a barragem for construída, o que não quero, tudo será destruído.”